quarta-feira, novembro 19, 2008

Psicologizando 2

Psicodinâmica e Sacrodinâmica -parte 2
por Uriel Heckert - Médico Psiquiatra, Professor Universitário em Juíz de Fora, e presidente nacional do CPPC

Sacroninâmica

Sabe-se que a teoria freudiana apoiou-se prioritariamente nos conteúdos pulsionais do inconsciente. Deles fez derivar as expressões do psiquismo humano, bem como todas as construções da cultura, aí incluídas as manifestações de fé. Houve, desde o princípio, aqueles que chamaram a atenção para o simplismo desse entendimento, destacando-se entre eles Oskar Pfister, membro do primeiro grupo de discípulos de Freud e que seguiu sendo também ministro religioso 8. Mesmo assim, é sabido que aquela visão reducionista prevaleceu.
Carl G. Jung postulou uma visão ampliada do inconsciente, incluindo o “self” numa visão mais abrangente, além dos conteúdos arquetípicos. Aí encontrou ele um reservatório de experiências ancestrais, que se expressam na riqueza dos mitos, sempre evocadores de conteúdos religiosos. Ele julgou ter resgatado, por essa via, a base de uma espiritualidade mais profunda.
Viktor E. Frankl, por seu turno, não hesitou em falar de um inconsciente espiritual, não condicionado à lógica do desejo, mas que se expressa na busca pelo sentido. Ele considerou que estava indo além de Jung, pois alinhava-se aos existencialistas na afirmação da pessoa humana como ser livre e responsável. No seu entender, “o inconsciente coletivo tem as menores probabilidades de abrigar a religiosidade precisamente porque religião envolve as mais pessoais decisões tomadas pela pessoa” 9 .
A noção de liberdade é destacada também por Paul Tillich, que propõe “uma teoria dinâmica da fé, a qual... tem sua raiz no centro da pessoa” 10. Ele destaca o papel dos elementos inconscientes, que são determinantes expressivos dos conteúdos da fé. Mas reconhece que esta é um ato consciente, ligado às escolhas mais radicais que tomamos ao longo da existência.
Paul Tournier, médico suíço proponente do movimento chamado Medicina da Pessoa, via o sagrado inevitavelmente imiscuído no fluxo da vida. Ele chamou a atenção para os momentos privilegiados em que a pessoa, fugindo da sua latência, suplanta o personagem estereotipado que nos caracteriza no cotidiano11. A expressão exuberante de vida que então se manifesta atestaria a presença divina e seria fonte de crescimento, maturidade e cura. Tais “aventuras” permitem, no seu entender, o fluir de uma espiritualidade dinâmica e espontânea, ligada à evolução natural do indivíduo e capaz de enriquecer a existência. Como destaca: “A maior aventura... é nossa própria evolução,... nossa evolução interior, nosso encontro renovado com Deus...”12.
Articulando essas contribuições, Carlos José Hernández, psiquiatra argentino, destaca a relevância que a relação com o sagrado assume na vida individual: “A pessoa sempre tem um espaço sagrado e, por conseguinte, misterioso e cheio de significado”13. Vê que esse lugar é preenchido pela fé, independente do objeto que a acolhe, e mesmo que ela se expresse por sua negação. Chama a atenção para a relação dinâmica que se estabelece entre o sagrado e o sujeito da fé, que evolui com o seu amadurecimento psíquico, sofre impactos durante as crises pessoais, ao mesmo tempo que contribui como elemento de referência e estabilidade na constituição da personalidade. O autor identifica, então, uma sacrodinâmica que corre paralela e intercambiante com o processo psicodinâmico de desenvolvimento individual.
J. Harold Ellens, psicólogo e teólogo norte-americano, sublinha a importância de se levar em conta essa dinâmica do sagrado, lembrando que “idéias e ´insights´ de natureza religiosa exercem papel crucial como mediadores dos movimentos saudáveis da personalidade humana através das transições de uma fase a outra do desenvolvimento e dos traumas modeladores que nos confrontam”14.

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