Mário Soares
1.Toda a gente fala da crise, múltipla, como lhe tenho chamado. Porquê? Porque atinge todos. Começou, há muito tempo, com pés de lã, na América do Norte. A queda do dólar e o aumento exponencial do deficit foram sinais iniludíveis, que os economistas não quiseram entender. Depois, espalhou-se à União Europeia, cujos dirigentes pensavam que lhe poderiam escapar e chegaram a dizê-lo, imprudentemente. Depois, tornou-se global e vai repercutindo por todos os continentes. Como era possível ser de outro modo, em tempo de globalização desregulada, com os "paraísos fiscais", espalhados pelos lugares mais imprevistos, para que as especulações - e as negociatas - fossem menos conhecidas? Depois veio a recessão económica, tantas vezes negada por reputados economistas. Quando muito, admitiram um "abrandamento"... Mas agora foi oficialmente declarada nos Estados Unidos. E começa a ser admitida, como de "longa duração", para usar uma expressão cara ao historiador Fernand Braudel, na própria União Europeia.
1.Toda a gente fala da crise, múltipla, como lhe tenho chamado. Porquê? Porque atinge todos. Começou, há muito tempo, com pés de lã, na América do Norte. A queda do dólar e o aumento exponencial do deficit foram sinais iniludíveis, que os economistas não quiseram entender. Depois, espalhou-se à União Europeia, cujos dirigentes pensavam que lhe poderiam escapar e chegaram a dizê-lo, imprudentemente. Depois, tornou-se global e vai repercutindo por todos os continentes. Como era possível ser de outro modo, em tempo de globalização desregulada, com os "paraísos fiscais", espalhados pelos lugares mais imprevistos, para que as especulações - e as negociatas - fossem menos conhecidas? Depois veio a recessão económica, tantas vezes negada por reputados economistas. Quando muito, admitiram um "abrandamento"... Mas agora foi oficialmente declarada nos Estados Unidos. E começa a ser admitida, como de "longa duração", para usar uma expressão cara ao historiador Fernand Braudel, na própria União Europeia.
A crise energética, artificialmente criada pela via especulativa - com o petróleo a atingir 150 dólares o barril, mais de três vezes do custo ao produtor - está agora de novo a descer, pelas mesmas artificiais razões especulativas. A crise alimentar é outro aspecto da crise e não tem especialmente a ver com o aumento crescente da pobreza, um dos traços fundamentais do sistema neoliberal. Mas sim com razões especulativas semelhantes às que estimularam e explicam as subidas e descidas do petróleo nas bolsas. Depois, a crise ambiental, denunciada no século passado e, nomeadamente, na Conferência do Rio, em 1992. Sobre ela tudo foi dito e pouco, muito pouco, foi feito. Excepto no que respeita à consciencialização das pessoas, quanto às ameaças que pesam sobre a humanidade, se não nos dispusermos a salvar a Terra.
E, finalmente, a mais grave de todas: crise moral, crise de valores ou melhor: da falta deles, a negação da ética, omitida nos comportamentos, pelo capitalismo especulativo, crise civilizacional, de fim de ciclo, dado o enfraquecimento do Estado, a impunidade da corrupção, a desvalorização do serviço público, numa sociedade individualista, egoísta e consumista, por excelência, em que conta, acima de tudo, o dinheiro - como supremo valor - sem importar como se adquire nem qual a sua origem. Se vem do tráfico ilegal da droga, da prostituição, da compra e venda de armas, incluindo nucleares, do crime organizado ou das especulações feitas através dos offshores, que têm por detrás deles "respeitáveis" senhores que gerem bancos, seguradoras e grandes empresas, auferem vencimentos multimilionários, prémios e indemnizações e são os mais próximos responsáveis - não os únicos - até agora impunes, da grande crise global e complexa com que nos debatemos.
O economista francês Daniel Cohen, numa entrevista recente concedida ao Le Monde 2, descreve os "dogmas" triunfantes nos anos de Thatcher (1978-90) e de Reagan (1981-89): auto-regulação do capitalismo, definhamento do Estado, deixar operar a "mão invisível" do mercado. No fundo era a receita pregada por Milton Friedman, o teórico do integralismo liberal, tão justamente criticado por Galbraith. Toda a teoria e a prática neoliberais daí decorrentes caíram por terra, desacreditadas, em poucas semanas, pela crise que estamos a viver. É, como diz Cohen, "o fim do mundo especulativo". Os nossos economistas neoliberais deixaram de falar. Quando muito, aconselham prudência, muita cautela. Talvez "caldos de galinha"... Não quiseram - ou não souberam - prever nada. E estão estonteados sem saber como combater a crise que se instala e gera a desconfiança e o pânico...
Os planos, ditos de "salvação", americano e europeu, são um remedeio - já o escrevi aqui, a semana passada - que pode acalmar as bolsas internacionais da impressionante turbulência em que têm vivido. Mas não resolve o problema de fundo. Porque protegem o sistema e não o querem mudar. E é necessário que mude, criando novos paradigmas, que tenha em vista uma "nova ordem económica mundial", regulamentada por princípios éticos, com uma forte dimensão social e uma constante preocupação ambiental.
Paul Krugman, que ganhou recentemente o Prémio Nobel da Economia, elogiou o plano do primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, pelo seu corajoso intervencionismo estatal, que levou o Estado a comprar as acções dos bancos em dívida para reforçar a sua liquidez. A Europa e a própria América do Norte seguiram-no, relutantemente. Pudera: é o fim do neoliberalismo! Mas necessidade obriga... No entanto, não basta: "Reparar o sistema financeiro não impedirá a recessão", escreveu mais uma vez Georges Soros... Veremos, os próximos capítulos, desta tragédia global... com os olhos postos em 4 de Novembro, quando - esperemos - muito vai mudar.
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